quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Os pequenos prazeres de Amelie..E os meus?





Os pequenos prazeres de Amelie

Quem viu o filme Amelie Poulain sabe do que eu estou falando. Quem não viu também não tem problema. Não é pré-requisito para continuar acompanhando o texto. Amelie Poulain é personagem do filme “O fabuloso destino de Amelie Poulain”. Ela tem pequenas manias muito peculiares que lhe dão muita alegria e prazer, como enfiar a mão bem fundo em um saco de cereal, quebrar a cobertura do crème brûlée com a colher, virar no escuro no cinema e observar o rosto das pessoas...entre várias outras citadas no filme. Fico pensando que nos dias de hoje,  onde a palavra de ordem que vem imperando no mundo é “tenho que”, quais momentos nos sobram para curtir nosso pequenos prazeres? Já parou para fazer uma lista dos pequenos prazeres da Carla? Dos pequenos prazeres do Alberto? Dos pequenos prazeres do Rivandoscleidson?
Estamos sempre cheios de temos que. Temos que ser bem informados, temos que ser politizados, temos que ser cults, temos que ser hipster, temos que ser hippies, temos que assistir a todos os filmes franceses/russos/brasileiros que estão naquele circuito desconhecido dos cinemas que ninguém mais ouviu falar, temos que ser descolados, tatuados, tradicionais, discretos, temos que ser únicos de alguma forma mirabolante, temos que ser vistos-ouvidos-notados, temos que ter a razão, temos que conhecer aquela banda desconhecida que ninguém mais conhece, temos que ser de direita-de-esquerda-meio-centro, temos que ser sustentáveis, temos que ser saudáveis e magérrimos, temos que comer orgânicos, temos que ser carnívoros/vegetarianos/macrobióticos, temos que ser do contra, temos que ser da vanguarda, temos que salvar as baleias, os golfinhos, temos que desmatar tudo em prol do progresso, temos que publicar 55 artigos na Nature/Science e ter 346 citações, temos que ser ateus/evangélicos/politeístas/pagãos/satanistas/cristãos, temos que falar inglês, temos que ter noções de mandarim com pitadas de francês, temos que ir em todas as exposições do MASP, temos que viajar para 2345 países antes de morrer, temos que conhecer todas as baladas mais iradas da cidade, temos que ser populares, temos que ser reservados,  temos que ser solteiros e pegar geral, temos que casar, ter filhos e 2 cachorros, temos que ganhar 10.000 por mês, temos que, temos que, temos que....Veja bem, não estou questionando o estilo de vida de ninguém, só estou questionando se este estilo de vida parte verdadeiramente da pessoa ou é mais um tenho que que veio de brinde em tudo o que engolimos no dia a dia? Hoje questiono a mim mesma, se as coisas que eu faço, faço porque quero e gosto ou porque tenho que. 
Por que estou pensando nisso tudo? Porque hoje ao chegar em casa, senti-me como não me sentia há muito tempo, senti um dos pequenos prazeres de Leticia. Abri a porta cansada, morrendo de fome e sem forçar e nem vontade de preparar alguma coisa saudável ( mas você tem que comer comidas saudáveis), abrir meu armário peguei um pacotinhos de batatas fritas sabor cebola de uma marca genérica ( nossa, mas você tem que provar aquela marca y ou nossa, batatas fritas? Como você não se alimenta bem!), peguei meu amado catchup e sentei-me sozinha para ver TV ( sozinha? Mas você tem que arrumar um namorado), e para melhorar ainda mais estava passando Jackass 3 ( o que? Você assiste essa merda! Você tem que assistir  uns filmes melhores!). Eu vos digo, vazia tempo que eu não me sentia tão feliz e plena com esses pequenos prazeres. Eu simplesmente senti como se eu não tivesse que fazer nada alem de estar ali, sozinha, sentada em meu sofá, comendo batata frita sabor cebola com catchup e assistindo um cara ser arremessado de bung jump dentro de um banheiro químico com merda voando para todo o lado. Não, eu não tinha que estar preparando o melhor prato do mundo com produtos coletados da minha horta, assistindo um filme com meu namorado gostoso e politicamente engajado em salvar o mundo, nem assistindo o ultimo documentário sobre as desigualdades nas capitais brasileiras. Não que eu não pudesse ou não quisesse fazer nenhuma das coisas acima, mas só em saber que eu não tinha que fazer nenhuma das coisas acima, senti-me livre e em paz como há tempos eu não me sentia. Não acho que só devamos fazer tudo o que a gente quer o tempo inteiro, lógico que não, mas e o nosso tempo no meio de tantos tenho que? Onde fica? O tempo para pendurarmos nossas máscaras atrás da porta e sermos quem realmente somos, não a pessoa que somos no facebook, no twitter, no instagram, ou a pessoa que somos ao andar na rua, ou a pessoa que somos na rodinha de amigos do trabalho/faculdade/de infância, ou a pessoa que somos para o chefe, para o orientador, para o professor, para os pais, namorado, para o garçom, para o pedinte.....Pendurar a máscara atrás da porta e sermos apenas nós para nós mesmos como se não houvesse mais ninguém no mundo e assim podermos viver os nossos pequenos prazeres. Sem se preocupar se é certo, errado, in ou out, bonito, feito...etc...etc...etc...


E você, já viveu hoje um dos seus pequenos prazeres?